1 de abril de 2014

Cargos comissionados: necessidade ou moeda de troca?

O número de cargos comissionados no Brasil (Sarandi/Pr) é ABSURDO, o que acabou influenciando para o aumento, também teratológico, do número de Ministérios.

Na verdade, quer os cargos comissionados, quer a quantidade de Ministérios, só servem, DE FATO, para abrigar as formas espúrias de coligações (ou seriam quadrilhas) que formam as “bases de sustentação” dos governos.

Por não ter mantido esse mesmo “modus procedendi” na administração, o Governo Collor não conseguiu se manter e, apesar de não ter sido eivado de corrupção como os demais, anterior e posteriores, restou por não “se sustentar”.

Parafraseando o senador Pedro Simon, “as irregularidades observadas no caso Collor, após as que lhe sucederam, implicariam que aquele acabasse podendo tramitar em um Tribunal de Pequenas Causas”.

Acerca do tema – cargos comissionados – ainda não tive oportunidade de tomar conhecimento de texto mais apropriado que o de Rui Barbosa (O LATROCÍNIO DAS POSIÇÕES), datado de 1917 (!?!?!?), que, por isso, faço questão de transcrever abaixo:

- “A regra inglesa é a da capacidade: “the right man in the right place”. A regra brasileira: a incapacidade: “the wrong man in the wrong place”. Não buscamos os homens para os lugares: buscamos os lugares para os homens. [...]

A êste vezo chamamos de “nós da administração”. Latrocínio lhe chamava o padre Antônio Vieira. “Querem saber os reis”, dizia êle, “se os que provêm nos ofícios, são ladrões, ou não?” Observem a regra de Cristo: “Qui non intrat per ostiam, fur est, et latro”. A porta por onde legitimamente se entra no oficio, é só o merecimento; e todo o que não entra pela porta, não só diz Cristo que é ladrão, senão ladrão e ladrão: “Fur est, et latro”.

E por que é duas vezes ladrão? Uma porque furta o oficio, e outra vez pelo que há de furtar com êle.

O que entra pela porta, poderá vir a ser ladrão: mas os que não entram por ela, já o são. Uns entram pelo parentesco, outros pela amizade, outros pela valia, outros pelo suborno, todos pela negociação. E quem negoceia, não há mister outra prova; já se sabe que não vai a perder. Agora será ladrão oculto, mas depois ladrão descoberto, que essa é, como diz São Jerônimo, a diferença de “fur a latro”.

Palavras do célebre orador na prédica do Bom Ladrão, ouvida, em 1655 [...]. As portas de entrada dos cargos públicos eram, pois, absolutamente as mesmas, que êle hoje teria de enumerar, se estivesse orando, em 1917, em algum púlpito do Rio de Janeiro: o parentesco, a amizade, o suborno, a valia, nome, com que se indicava, não o valor, mas o valimento, a proteção, as cartas, o empenho, como hoje dizemos. “As mercês não significam valor, senão valia”, deplorava o excelso pregador, como nós hoje o deploramos.

[...] Quer-me parecer que, se a realidade é a mesma, ao homem político, hoje, não há de se negar direito de dizer, em plena democracia, aos intitulados órgãos do povo soberano.

Naquele tempo, naturalmente, se acreditava que as valias, valimentos e valedores constituíam um vicio peculiar ao arbítrio das autocracias. Depois se viu que as constituições mudam os nomes, mas não a substância às coisas, e que, nas repúblicas mais amodernadas, as privanças, os nepotismos, os compadrios podem ter o mesmo sabor de atualidade que nas mais bolorentas monarquias.

[...] Quem, com efeito, me não increparia de exceder as legítimas raias da tribuna, se eu hoje, em pleno século vinte, pusesse, como Vieira em pleno século dezessete, o labéu de ladrões e ladrões aos que entram nos cargos públicos, não pelas portas dianteiras da lei e do mérito, mas pelas traseiras da mediocridade e do padronado? Todavia, o baldão encerraria muito mais estrita verdade agora, quando os governos fazem de ministros dos povos, do que naquele tempo, em que o Estado e seu patrimônio se absorviam no trono e sua vontade.

(in “COLETÂNEA LITERÁRIA”, pags. 812/814 – RUI BARBOSA).


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